A
NOTÍCIA
O
império dos sentimentos é algo realmente interessante. Como todos sabem, meu
pai viajou a serviço do Reino de Deus para o interior do Ceará. Alguns irmãos
foram com ele. Dois carros realizaram a viagem. A obra foi realizada com grande
bênção. Nosso Senhor Jesus Cristo foi honrado. No entanto, no dia 20 de
fevereiro de 2007, recebemos uma ligação, por volta das 20h00. É do tipo de
ligação que provoca estranhas sensações. Do outro lado da linha, uma voz dizia:
“aconteceu um pequeno acidente com o carro no qual seu pai estava ... mas fique
tranquilo, está tudo bem ... o carro apenas capotou ...”. Subitamente, muitos
pensamentos inundaram um coração fragilizado pela insegurança. Nove pessoas
estavam no carro, inclusive meu pai. Nove pessoas [grave este número].
De fato, foi um acidente muito grave, porém o Senhor livrou todos da morte. Os
irmãos tiveram alguns ferimentos. Dois fraturaram a clavícula, meu tio fraturou
algumas costelas, meu pai [... aos 73 anos] foi jogado para fora do carro e
fraturou três costelas. Estes irmãos foram atendidos no hospital de Bom Jesus
do Piauí. Depois de muitas ligações, regadas com muita angústia e apreensão,
conseguimos transportar pelo menos seis deles de avião para Brasília. Os demais
vieram de ônibus.
A
CHEGADA
Dia
23 de fevereiro, às 18h00. Este era o tão esperado momento. Aguardávamos meu
pai e outros cinco irmãos no Aeroporto de Brasília. Era um misto de alegria e
ansiedade. Daquele tipo de mistura onde uma lágrima escondida se misturava com
um tímido sorriso. Era um encontro do alívio com várias indagações. Coisas do
tipo: Todos estão realmente bem? Ao final de tudo, na balança do coração o
sorriso parecia prevalecer. Algumas poucas piadas eram ensaiadas. De repente
uma euforia tomou conta de todos. O painel do aeroporto informava que o vôo
JJ4358 havia pousado [acho que o número era esse. As emoções podem ter
me feito esquecer]. Por que o vidro temperado do saguão de chegada do
aeroporto era tão fumê, tão escuro? Deveriam ter colocado um vidro mais claro,
pensávamos! Quando fixei meu olhar numa determinada direção, pude ver meu pai
sendo trazido numa cadeira de rodas. Meu tio veio na frente – com costela
quebrada e tudo – só para nos dizer que meu pai estava de cadeira de rodas, por
causa das fortes dores que estava sentindo [somente no dia seguinte,
após uma bateria de exames, descobrimos que as dores eram provocadas por três
costelas fraturadas]. Quando ele se aproximou da porta, minha mãe correu
para seus braços ... Calma, não foi como aqueles encontros cinematográficos [bem
que ela queria ... mas ele não podia. Já pensou nas dores? Dói só de
pensar!!!].
A
PRIMEIRA FALA DE MEU PAI
Sentado
naquela cadeira, o semblante de meu pai revelava algo muito estranho: Uma
mistura de euforia e dor. O rosto pálido, descorado, seus braços tomados por
escoriações, um pequeno corte na testa próximo ao olho direito, seus pés, com
hematomas escurecidos, estavam muito inchados, o tórax doído [depois eu
pude constatar um enorme hematoma no lado esquerdo do seu tórax]. Tudo isto
já é suficiente pra gente ter uma noção da dor que ele sentia. Muitos irmãos
estavam reunidos no aeroporto aguardando a chegada de todos. Meu pai estava
ali, no meio daquela multidão de irmãos. Talvez isso explique a mistura de
euforia e dor. Quando ele começou a falar, sua voz embargada mexeu
comigo. Sem dúvida, ele sentia dor simplesmente ao falar. Quando ele
começou a falar, pude ver que eu não era apenas um, eu era dois [estranho
de falar, estranho de escrever ... muito mais estranho de sentir].
Sim, eu era dois: filho e servo. De um lado havia um filho que, ao ouvir aquela
voz embargada, aquele semblante doído, sentia vontade de chorar. Meu pai fazia
força para falar!!! A dor não seria capaz de calar o grande guerreiro!!! Suas
palavras seriam preciosas demais para permanecer caladas. Muitas coisas ele
poderia dizer naquele momento: “Ei gente! Estou de volta!”. Quem sabe uma
murmuração básica, daquelas do tipo: “Por que Deus não nos livrou deste
acidente, afinal, estávamos fazendo a obra?”. Ou quem sabe, dizer para os filhos:
“Como é bom ver vocês de novo!” Qualquer uma destas palavras seria
preciosa! [menos a murmuração, é claro!] Mas eu pude ver a dor
e a euforia. E não somente isso, além de ver, eu pude ouvir. Ouvir o que ele
dizia. Que coragem! Como pode? Tantas palavras para falar, ele escolheu
justamente aquelas? Meu pai tinha uma voz embargada pela dor. Mas a
dor não foi capaz de fazê-lo calar!!! Ele tinha de contar!!! Alguém tinha de
contar!!! Aquele acidente não foi capaz de desfazer o que Deus já havia
feito!!! Meu pai abriu sua boca. Encontrou forças para quase gritar! A
dor era intensa, mas o conteúdo de suas palavras era maior!!! MEU PAI
DISSE: “NOVE PESSOAS FORAM SALVAS, NOVE FORAM BATIZADAS!!!” [eu
não disse para você gravar esse número?]. Aquela voz mexeu comigo! A dor
mexeu com o filho!!! Como filho, eu sentia vontade de chorar. Ver meu pai
falando com tanta dificuldade, com tanta dor!!! Ninguém merece!!! Mas o
conteúdo do que ele disse mexeu com o servo. Ao ouvir aquilo, eu sentia
vontade de gritar, de pular! Será que iam entender? O servo queria pular, mas o
filho queria chorar! O filho não entendia aquelas palavras, pois queria ouvir:
“eu te amo”. Mas o servo entendia, pois o servo entende quando se diz:
“toda a glória pertence ao Senhor”. O servo entende as palavras de Paulo
aos romanos: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou
quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser
restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as
coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" [Romanos 11:33-36].
Ali, diante de todos, no silêncio de meu coração, eu pude perceber que eu era
dois: filho e servo. A voz embargada do meu pai promoveu este encontro,
o encontro do filho com o servo!
Quando
estava no carro, indo para o hospital, meu pai não calava: “Este acidente nos
levou para aquela cidade”, “no hospital, fomos tratados como reis”, “falamos de
Jesus para todas as pessoas que se aproximavam de nós”, “se alguém nos trazia
água, nós falávamos de Jesus”, “hoje, antes de sairmos de lá, reunimos todos os
funcionários e pacientes do hospital e cantamos para eles”. Meu pai falou muito
mais coisas. E tudo com aquela voz embargada!!! Você pode imaginar o que isso
significa? Um homem que não tem medo da dor ... tudo para glorificar a Jesus
Cristo, seu salvador, senhor e sua vida!!!
A
MUDANÇA
Hoje
termina o horário de verão. Mas não foi só o meu relógio que mudou ... algumas
coisas mudaram dentro do meu coração. É simplesmente magnífico perceber o poder
que uma voz embargada pela dor pode provocar. Enquanto escrevia estas palavras,
meu coração foi conduzido para um poderoso momento na história dos homens. Está
escrito em Lucas 23:46 – “Então, Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou.” Como você acha que Jesus
estava? Como foi que aquela voz saiu dos Seus lábios? Então, descobri
que meu pai não foi o primeiro. Meu Senhor Jesus, um dia, com uma voz
embargada pela dor, também falou algo que o Pai Celestial gostaria de ouvir. A
dor não foi capaz de calar o Senhor Jesus Cristo ... a dor não foi capaz de
calar o meu pai! Tudo porque “aos que de antemão conheceu, também os
predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho” [Romanos
8:29].
OBS: A foto demonstra o estado do veículo que capotou!
Em Cristo!
Aprendendo
com Cristo e com aqueles que, mesmo na dor, procuram imitá-lo!
A. M. Cunha
2 comentários:
Meu irmão,acabei de reler esta postagem do encontro do filho com o servo. Quanta dor. Física, emocional. Mas ao mesmo tempo, quanto amor, quanta fé em nosso Senhor. Louvado seja Deus por esses irmãos!Um abraço saudoso do teu irmão.
Meu irmão, acabei de reler a postagem do encontro do filho com o servo. Quanta dor. Física, emocional. Mas ao mesmo tempo, quanto amor, quanta fé em nosso Senhor. Glória a Deus pela vida desses irmãos.
Um abraço saudoso de um dos teus amigos. (Numa das últimas vezes que nos vimos, fui tocado por uma frase dita pela tia Rita:"o amigo do meu marido". Isso me tocou fundo. Guardei no meu coração. Sou muito grato a Deus, amigo, pela sua vida. Pelo tempo que Ele me permitiu ter comunhão contigo. Foi uma dessas coisas que as estrelas assistem encantadas. Obra do amor do nosso Pai.Bendito seja aquele que é o mesmo,ontem, hoje e sempre! Que é o brilho eterno da vida!
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