“17 De Mileto, mandou a Éfeso chamar os
presbíteros da igreja. 18 E, quando se encontraram
com ele, disse-lhes: Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o
tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, 19 servindo
ao Senhor com toda a humildade lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus,
me sobrevieram,20 jamais deixando de vos anunciar coisa
alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa,21 testificando
tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso
Senhor Jesus [Cristo].”
Atos 20:17-21
Nos versículos de 17 a
35 do capítulo 20 do livro de Atos dos Apóstolos, o apóstolo Paulo está falando
a líderes da igreja local em Éfeso. Trata-se de um vigoroso tratado de Teologia
Pastoral. Paulo revela a natureza hostil do ambiente em que o seu pastorado foi
exercido na Ásia. Ele fala que serviu ao Senhor com “lágrimas e provações”. Nesta, por assim dizer, biografia pessoal,
Paulo também anuncia como foi o exercício do seu ministério pastoral, mesmo
tendo que enfrentar estas provações: “servindo
ao Senhor com toda a humildade, [...] jamais deixando de vos anunciar coisa
alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa”.
Quanto ao conteúdo de sua mensagem pastoral, o apóstolo revela o seguinte: “testificando tanto a judeus como a gregos o
arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus”.
Assim, à luz dos
versículos 19, 20 e 21, podemos detectar três importantes palavras que
sintetizam o ministério pastoral de Paulo na Ásia: ambiente, forma e conteúdo.
O ambiente onde Paulo exerceu o
ministério pastoral foi hostil, pois havia uma turba de judeus que o seguia por
onde ele passava. Notemos as palavras do apóstolo: “pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram”. Os capítulos 13 e 14 do
livro de Atos dos Apóstolos são uma evidente demonstração desta perseguição que
redundou em fuga, expulsão e apedrejamento, nas cidades de Antioquia, Icônio e
Listra. Em que pese tais perseguições, que caracterizaram a presença de
lágrimas e provações no ambiente onde Paulo exerceu o ministério pastoral, o
apóstolo, dominado pelo ardente amor do evangelho, retornava aos mesmos lugares
onde havia sido perseguido, expulso e apedrejado para fortalecer “a alma dos discípulos, exortando-os a
permanecer firmes na fé”, como é o caso do seu retorno às cidades de
Listra, Icônio e Antioquia registrado em Atos 14:21-22.
A forma como Paulo exerceu o
ministério pastoral é surpreendente, uma vez que ele o exerceu em meio a “lágrimas e provações”. É marcante
perceber que a perseguição não foi capaz de interferir na forma como o apóstolo
exerceu o ministério. Ele o exerceu “com
toda a humildade”. O texto evidencia que Ele o exercia servindo ao Senhor.
O foco do apóstolo não era servir a homens, mas ao Deus que o chamou. Com esta
visão, não havia espaço para arrogância no coração do apóstolo. A humildade o
dominava, pois ele sabia o Deus a quem servia. Outro fato que o texto nos
transmite de maneira marcante e singular é a perseverança do apóstolo. Notemos
as seguintes palavras: “jamais deixando
de vos anunciar coisa alguma proveitosa”. Que magnífico! As “lágrimas e provações” não detinham
nenhum poder para interromper a trajetória do apóstolo Paulo! Seu ensino, por
um lado, era público, mesmo que para isso, colocasse sua vida em risco, e, por
outro, era “de casa em casa”, ocasião
em que o apóstolo poderia desfrutar de inesquecíveis momentos de comunhão e
aconchego com a igreja amada, onde ele estaria protegido pelo ambiente
doméstico.
O conteúdo do ensino apostólico
era singular e coerente com os ensinos recebidos do Senhor Jesus. Diz-nos o
texto que Paulo testificava “tanto a
judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor
Jesus”. Este duplo conteúdo revela a essência do evangelho. O
arrependimento deve ser anunciado, pois ele se contrapõe ao pecado, que é o
grande problema da humanidade. A fé em Jesus é mensagem central do evangelho,
pois a salvação pela graça mediante a fé em Cristo é o único remédio para o
problema que assola a humanidade. Paulo não se furtava em anunciar este
conteúdo. Somente um homem com tal
experiência pastoral, como a descrita nos versículos de 19 a 21, possui graça
divina para, humilde e perseverantemente, deixar-se ser conduzido pelo Senhor
para novos rumos em sua jornada espiritual, mesmo se saber o que lhe aconteceria,
senão, que enfrentaria cadeias e tribulações.
A tríplice experiência pastoral
descrita nos versículos 19, 20 e 21 [ambiente, forma e conteúdo] recebe, no
versículo 22, o acréscimo de uma nova qualidade pastoral: o deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus! Nada, nem mesmo a
incerteza quanto ao futuro, ou a certeza quanto às tribulações e cadeias, podiam
impedir o apóstolo de se submeter à condução celestial! Esta é, sem dúvida, uma
magnífica descrição do ministério pastoral!
O apóstolo, com as seguintes
palavras, demonstra sua submissão para deixar-se ser conduzido pelo Senhor: “vou para Jerusalém”. Esta expressão é
muito característica de Lucas, autor tanto do Evangelho que possui o seu nome quanto
do livro de Atos dos Apóstolos. Para registrar a proximidade do martírio de
Cristo ele se utilizava de expressão semelhante, como a que se observa em Lucas
19:28, que assim nos apresenta o caminho de Cristo para a morte: É notável a
semelhança com o Senhor Jesus: “ia
caminhando adiante, subindo para Jerusalém”. A proximidade da morte, a
certeza quanto às tribulações e às cadeias e a incerteza quanto ao que lhe
aconteceria em Jerusalém não poderiam arrancar dos lábios do apóstolo as
corajosas palavras “vou para Jerusalém”.
A quinta qualidade do
ministério pastoral surge na descrição contida no versículo 24: o profundo desejo de completar a carreira e
ministério. Nem mesmo a própria vida pode ou deve constituir-se em
obstáculo contra tal desejo. O apóstolo diz: “em nada considero a vida preciosa para mim mesmo”. Seu foco é
completar a carreira e o ministério. Paulo qualifica o seu ministério da seguinte
forma: Um ministério “que recebi do
Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus”.
Portanto, as qualidades
do ministério do apóstolo Paulo podem ser assim resumidas: [1] Ambiente, [2]
forma, [3] conteúdo, [4] deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus e [5] um
profundo desejo de completar a carreira e ministério.
É este Paulo, com tais
qualificações, que se coloca diante dos presbíteros da igreja em Éfeso para
oferecer-lhes os valiosos conselhos que podem ser vistos nos versículos de 25 a
35. O cristão que ama o Senhor e que considera que o ministério pastoral deve
ser exercido com uma profunda e bíblica espiritualidade deve ater-se, com a
maior diligência possível, às palavras contidas nos versículos 25 a 35.
A. M. Cunha