segunda-feira, 7 de abril de 2014

UMA VOZ EMBARGADA PELA DOR PROMOVE O ENCONTRO DO FILHO COM O SERVO

A NOTÍCIA

O império dos sentimentos é algo realmente interessante. Como todos sabem, meu pai viajou a serviço do Reino de Deus para o interior do Ceará. Alguns irmãos foram com ele. Dois carros realizaram a viagem. A obra foi realizada com grande bênção. Nosso Senhor Jesus Cristo foi honrado. No entanto, no dia 20 de fevereiro de 2007, recebemos uma ligação, por volta das 20h00. É do tipo de ligação que provoca estranhas sensações. Do outro lado da linha, uma voz dizia: “aconteceu um pequeno acidente com o carro no qual seu pai estava ... mas fique tranquilo, está tudo bem ... o carro apenas capotou ...”. Subitamente, muitos pensamentos inundaram um coração fragilizado pela insegurança. Nove pessoas estavam no carro, inclusive meu pai. Nove pessoas [grave este número]. De fato, foi um acidente muito grave, porém o Senhor livrou todos da morte. Os irmãos tiveram alguns ferimentos. Dois fraturaram a clavícula, meu tio fraturou algumas costelas, meu pai [... aos 73 anos] foi jogado para fora do carro e fraturou três costelas. Estes irmãos foram atendidos no hospital de Bom Jesus do Piauí. Depois de muitas ligações, regadas com muita angústia e apreensão, conseguimos transportar pelo menos seis deles de avião para Brasília. Os demais vieram de ônibus.

 

A CHEGADA

Dia 23 de fevereiro, às 18h00. Este era o tão esperado momento. Aguardávamos meu pai e outros cinco irmãos no Aeroporto de Brasília. Era um misto de alegria e ansiedade. Daquele tipo de mistura onde uma lágrima escondida se misturava com um tímido sorriso. Era um encontro do alívio com várias indagações. Coisas do tipo: Todos estão realmente bem? Ao final de tudo, na balança do coração o sorriso parecia prevalecer. Algumas poucas piadas eram ensaiadas. De repente uma euforia tomou conta de todos. O painel do aeroporto informava que o vôo JJ4358 havia pousado [acho que o número era esse. As emoções podem ter me feito esquecer]. Por que o vidro temperado do saguão de chegada do aeroporto era tão fumê, tão escuro? Deveriam ter colocado um vidro mais claro, pensávamos! Quando fixei meu olhar numa determinada direção, pude ver meu pai sendo trazido numa cadeira de rodas. Meu tio veio na frente – com costela quebrada e tudo – só para nos dizer que meu pai estava de cadeira de rodas, por causa das fortes dores que estava sentindo [somente no dia seguinte, após uma bateria de exames, descobrimos que as dores eram provocadas por três costelas fraturadas]. Quando ele se aproximou da porta, minha mãe correu para seus braços ... Calma, não foi como aqueles encontros cinematográficos [bem que ela queria ... mas ele não podia. Já pensou nas dores? Dói só de pensar!!!].

 

A PRIMEIRA FALA DE MEU PAI

Sentado naquela cadeira, o semblante de meu pai revelava algo muito estranho: Uma mistura de euforia e dor. O rosto pálido, descorado, seus braços tomados por escoriações, um pequeno corte na testa próximo ao olho direito, seus pés, com hematomas escurecidos, estavam muito inchados, o tórax doído [depois eu pude constatar um enorme hematoma no lado esquerdo do seu tórax]. Tudo isto já é suficiente pra gente ter uma noção da dor que ele sentia. Muitos irmãos estavam reunidos no aeroporto aguardando a chegada de todos. Meu pai estava ali, no meio daquela multidão de irmãos. Talvez isso explique a mistura de euforia e dor. Quando ele começou a falar, sua voz embargada mexeu comigo. Sem dúvida, ele sentia dor simplesmente ao falar. Quando ele começou a falar, pude ver que eu não era apenas um, eu era dois [estranho de falar, estranho de escrever ... muito mais estranho de sentir].  Sim, eu era dois: filho e servo. De um lado havia um filho que, ao ouvir aquela voz embargada, aquele semblante doído, sentia vontade de chorar. Meu pai fazia força para falar!!! A dor não seria capaz de calar o grande guerreiro!!! Suas palavras seriam preciosas demais para permanecer caladas. Muitas coisas ele poderia dizer naquele momento: “Ei gente! Estou de volta!”. Quem sabe uma murmuração básica, daquelas do tipo: “Por que Deus não nos livrou deste acidente, afinal, estávamos fazendo a obra?”. Ou quem sabe, dizer para os filhos: “Como é bom ver vocês de novo!” Qualquer uma destas palavras seria preciosa! [menos a murmuração, é claro!] Mas eu pude ver a dor e a euforia. E não somente isso, além de ver, eu pude ouvir. Ouvir o que ele dizia. Que coragem! Como pode? Tantas palavras para falar, ele escolheu justamente aquelas? Meu pai tinha uma voz embargada pela dor. Mas a dor não foi capaz de fazê-lo calar!!! Ele tinha de contar!!! Alguém tinha de contar!!! Aquele acidente não foi capaz de desfazer o que Deus já havia feito!!! Meu pai abriu sua boca. Encontrou forças para quase gritar! A dor era intensa, mas o conteúdo de suas palavras era maior!!! MEU PAI DISSE: “NOVE PESSOAS FORAM SALVAS, NOVE FORAM BATIZADAS!!!” [eu não disse para você gravar esse número?]. Aquela voz mexeu comigo! A dor mexeu com o filho!!! Como filho, eu sentia vontade de chorar. Ver meu pai falando com tanta dificuldade, com tanta dor!!! Ninguém merece!!! Mas o conteúdo do que ele disse mexeu com o servo. Ao ouvir aquilo, eu sentia vontade de gritar, de pular! Será que iam entender? O servo queria pular, mas o filho queria chorar! O filho não entendia aquelas palavras, pois queria ouvir: “eu te amo”. Mas o servo entendia, pois o servo entende quando se diz: “toda a glória pertence ao Senhor”. O servo entende as palavras de Paulo aos romanos: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" [Romanos 11:33-36]. Ali, diante de todos, no silêncio de meu coração, eu pude perceber que eu era dois: filho e servo. A voz embargada do meu pai promoveu este encontro, o encontro do filho com o servo!

Quando estava no carro, indo para o hospital, meu pai não calava: “Este acidente nos levou para aquela cidade”, “no hospital, fomos tratados como reis”, “falamos de Jesus para todas as pessoas que se aproximavam de nós”, “se alguém nos trazia água, nós falávamos de Jesus”, “hoje, antes de sairmos de lá, reunimos todos os funcionários e pacientes do hospital e cantamos para eles”. Meu pai falou muito mais coisas. E tudo com aquela voz embargada!!! Você pode imaginar o que isso significa? Um homem que não tem medo da dor ... tudo para glorificar a Jesus Cristo, seu salvador, senhor e sua vida!!!

 

A MUDANÇA

Hoje termina o horário de verão. Mas não foi só o meu relógio que mudou ... algumas coisas mudaram dentro do meu coração. É simplesmente magnífico perceber o poder que uma voz embargada pela dor pode provocar. Enquanto escrevia estas palavras, meu coração foi conduzido para um poderoso momento na história dos homens. Está escrito em Lucas 23:46 – “Então, Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou.” Como você acha que Jesus estava? Como foi que aquela voz saiu dos Seus lábios? Então, descobri que meu pai não foi o primeiro. Meu Senhor Jesus, um dia, com uma voz embargada pela dor, também falou algo que o Pai Celestial gostaria de ouvir. A dor não foi capaz de calar o Senhor Jesus Cristo ... a dor não foi capaz de calar o meu pai! Tudo porque “aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho” [Romanos 8:29].

OBS: A foto demonstra o estado do veículo que capotou! 

Em Cristo!

Aprendendo com Cristo e com aqueles que, mesmo na dor, procuram imitá-lo!

A. M. Cunha